Este modesto blogue é especialmente dedicado à minha filha *MARTA CASTRO* a razão maior duma vida em amor !!!

Eu tenho a noção exata // Das minhas limitações // Mas quando d'amor se trata // Perco todas as noções.

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A maior parte destes 1.045 poemas tem o Fado como destinatário. Se algum deles lhe agrada, cante-o.

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Rua do meu passado

Havia na minha rua
Um espaço aonde a lua
Repousava com amor
E onde o sol, astro-rei
Era uma autêntica lei
Quando o rei era o calor

Havia até um jardim
Aonde vezes sem fim
Colhi flores p'ra minha mãe
E um terreno baldio
P’ra fazer o desafio
Que aos jovens sabia bem

Havia na minha rua
Uma fonte de água pura
P'ra matar a sede louca
Água de raro sabor
Qual precioso licor
Saciando qualquer boca

Ó rua da mocidade
Eu tenho tanta saudade
Da luz do tempo passado
Sendo assim, vou-te cantado
E até vou de quando em quando
Chorar por ti no meu fado

Desilusões amorosas

Somando as desilusões
Ao amor que fracassou
Veremos nas emoções
Luzes que o tempo afastou

Luzes que embora apagadas
Deixam na memória ativa
O brilho das madrugadas
Em que a paixão estava viva

Foi tão intenso esse jeito
De fazer o amor crescer
Que o relógio do meu peito
Parou... já não quer bater

Mesmo que o tempo desfaça
O mal que outrora me fez
Já tudo perdeu a graça
Não vou amr outra vez

Casa-museu da saudade

Na Rua da Capelão
Existe uma nuvem triste
Que só vê quem é do fado
Luz da velha tradição
Que por saudade persiste
Em relembrar o passado

Rua de fado e d'história
Aonde os passos que damos
Vão na mesma direção
Rua-berço da memória
Aonde ao chegar, ficamos
De aperto no coração

Na Mouraria
Rua João do Outeiro
Existe a casa museu
Do rei do fado sem coroa
Na Mouraria
Foi Maurício, o rei primeiro
A fazer chegar ao céu
O pranto desta Lisboa

Prece poética

Cada vez faz mais sentido
Todo este tempo vivido
Dentro da alma do fado
Horas de amor intensivo
Mantendo vivo, bem vivo
Este sonho abençoado

Sonho que ao vir até mim
Fez-me viver num jardim
De palavras com memória
Cada rima era uma flor
Cada poema, um amor
Cada fado, uma vitória

Com o passar da idade
Foi aumentando a saudade
Como a todos acontece
Com o tempo decorrido
Cada vez faz mais sentido
Cantar em forma de prece

Galo fanhoso

Comprei um galo fanhoso
Com as penas amarelas
Era um bicho curioso
Que não dava galadelas

Dum lado. tinha uma pata encolhida
Do outro. tinha a pata mais comprida

O meu galo fanhoso, vejam só
Faz óróóó
Faz óróóó
Maldito galo que até mete dó
Faz óróóó
Faz óróóó


Teve uma galinha bela
Que tinha dois pintos novos
Mandou-a p’ra cabidela
P’ra ser ele a pôr os ovos

Agora... cá o Zé é que se lixa
Nem sei se o galo é bicho ou se é bicha

Gravado na música do fado 
*Pode Ser Saudade* de Jorge Fernando

Viagem poética

Por cada mar navegado / Entre muitas tempestades
Há sempre versos dum fado / Cheio de muitas saudades

Por cada palavra dita / À luz da voz revoltada
Há sempre um “Ary” que grita/ Os versos da “Desfolhada”

Por cada “Cântico Negro” / Dum “Régio” de pedra e cal
Há sempre o “Desassossego” / Dum “Pessoa” intemporal

Por cada céu descoberto / Nas viagens tenebrosas
Há sempre um destino incerto / Que decerto não tem rosas

Por cada verso de “O´Neill” / Rimando qualquer “Gaivota”
Há sempre manhãs de abril / Numa esperança remota

Por cada nuvem tocada / Pelos dedos da coragem
Há uma nau ancorada / Quase a partir em viagem

Por cada voz que reage / Aos versos que tem o fado
Há sonetos de “Bocage” / Nas margens de qualquer “Sado”

Por cada fogo que arde / Na cidade do “Ary”
Há uma “Estrela da tarde” / Com mais brilho que um rubi

Por cada cidade ou serra / Dum “Eça” certo e mordaz
Há sempre o centro da terra / No mundo do... tanto faz

Por cada mosca poisando/ Em cima de qualquer queixo
Há sempre quem vá cantando / As verdades do “Aleixo”

Por cada nada, onde o tudo / Nada tem que seja seu
Há um hino surdo-mudo / Que o mundo nunca entendeu

Vem matar esta saudade

Vem matar esta saudade
Mas não mates este amor
Feito daquela verdade
Que por ser nossa, é maior

Vem matar esta saudade
Mas não mates a esperança
Que tem quase a mesma idade
Dos meus sonhos de criança

Vem matar esta saudade
Antes que a minha paixão
Perca toda esta vontade
Que mais parece vulcão

E se a lei do teu desejo
Te der nova liberdade
Abandona-te ao meu beijo
Vem matar esta saudade

Estrada do amor maior

Quando pela tua mão
Caminho sem direção
Na estrada misteriosa
Percebo toda a beleza
Que pode haver na surpresa
Duma aventura amorosa

Sem rumo delineado
Vou daqui pra todo o lado
Desde que venhas comigo
Nosso destino é comum
Porque nós dois somos um
Em busca do mesmo abrigo

Mesmo que as voltas da vida
Tenham a mesma medida
Que nem sempre nos faz bem
O nosso amor faz valer
Tudo o que nos dá prazer
E nos leva mais além

É só nosso este futuro
Acidentado mas puro
Tão puro quanto o amor
Sendo assim caminhamos
Na estrada que traçamos
Rumando ao amor maior

Árvore do amor

Percorro a floresta dos sentidos
Em busca do meu fruto apreciado
De repente, um som penetra meus ouvidos
Num tom quase parecido ao som do fado

Os meus olhos se projetam na floresta
A minh'alma se projeta no além
O meu corpo se projeta em amor-festa
Nos braços dum amor que ninguém tem

Vou despindo preconceito e timidez
Mergulhando em devoção e avidez
Na floresta que tenho ao meu dispor

Na selva do prazer que vou trocando
Vou amando... e amando vou gerando
Um jardim prá minha árvore do amor

A força do pecado

A força do pecado é muito mais constante
Quando se vive só em franca solidão
Um amor destroçado e muito angustiante
Arrasta-nos sem dó no mar da comoção

Sentimos pouco a pouco a vida querer fugir
Até que um sonho velho alcance a juventude
Um sonho embora louco e mesmo sem florir
Revê-se no espelho, esgota na virtude

Viver pela saudade é dar razão à vida
O mundo é bem melhor ao compasso dum grito
O sopro da idade é bola colorida
Que no céu do amor alcança o infinito

À bruta e à borla (humor)

Fui almoçar com alguém
com excesso de apetite
Que malfadado convite
Eu aceitei, vejam bem

Comeu Posta à Mirandeza / Com arrozinho xau xau
E depois, por estranheza / Quis caras de bacalhau

Caras, batatas, cenoura / Ovos, couve e agriões
Por pouco que não estoura: / Vá lá comer ao Camões

Meio quilo de carcaça / Untada com vinagrete
E como a fome não passa / Filetes de salmonete

Mas continuou a festa / Porque, p'ra minha surpresa
Diz ele assim: já só resta / Barriga prá sobremesa

Queijinho com marmelada / Natas do céu com canela
Torta de massa folhada / E leite creme em tigela

Ficou vermelho e depois / De se ajeitar na cadeira
Pediu em nome dos dois / Um litro de bagaceira

Depois, como normalmente / A conta caíu na mesa
Ele diz tranquilamente / Paga tu... por gentileza

Contrariado paguei / Porém decidi então
Que jamais aceitarei / Convites de comilão

Este filho da labuta / Raramente verga a mola
P’ra beber é sempre à bruta / P’ra comer é sempre à borla

O fado e as bocas (humor)

Tenho a mania, que sei cantar bem o fado
E sou muito mal tratado, p’las pessoas de má fé
Tenho a mania, que tenho uma voz timbrada
A malta fica afinada e grita toda de pé

Ah fadista... vai cantar prá tua terra
E todos em pé de guerra
Dizem tantos disparates
Ah fadista... continuam a gritar
E para eu me calar
Até me atiram com tomates


É uma doença, que tenho desde chavalo
Para mim é um regalo, fazer parte das rambóias
É uma doença, que agora já não tem cura
Já andam à minha procura p’ra me levar p’ra Custóias

Vivo pró fado, tenho esta ideia chalada
Com minha voz encharcada
Continuo esta labuta
Vivo pró fado, quero morrer a cantar
Ouvindo a malta gritar:
Vai –te embora, ó filho da luta

Ah fadista, vai cantar p’ra tua terra
E todos em pé de guerra
Fazem enorme algazarra
Ah fadista, continuam a gritar
E para eu me calar
Até me gamam a guitarra

Parto tudo (humor)

Das horas perco a noção
Sempre que saio de casa
E vou beber uns canecos
A ela faz-lhe impressão
Eu chegar com grão na asa
E dar cabo dos tarecos

Chego a casa p’la noitinha
Dou cambalhotas na escada / Co’a tola no portão
Ela com ar de santinha
Diz-me p’ra não partir nada... E p’ra nem cuspir para o chão

Então, para chatear
Faço-me de surdo-mudo / P’ra não ouvir os sermões
E como vejo a dobrar
Lá começo a partir tudo / P’ra evitar repetições

A soco, parto a mobília
Os pratos e as tigelas / Que a mamã dela lhe deu
Parto as fotos da família
E só não parto as panelas / Que são mais duras que eu

Parto mesas e cadeiras
Parto copos e canecas / Garrafas e garrafões
Vão tachos, vão frigideiras
Quando perco as estribeiras / Viro tudo aos trambolhões

Parto os serviços de mesa
Parto os jarros da cozinha / Parto os vidros da janela
Parto-lhe a loiça chinesa
Parto os vasos da vizinha / E parto-lhe a tromba a ela

Depois de tudo escacado
Ponho-me a rir e a chorar / Sem tarecos, nem vintém
Porém, fico consolado
Porque ela p’ra se vingar / Parte... p’ra casa da mãe

O xaile da mamã dela (humor)

O xaile da mamã dela
Que tinha sido d’avó
Está tão velho e tão fatela
Parece um pano do pó

Diz meu filho a toda a hora
Com uma certa piada
Ó pai... deita o xaile fora
Porque não presta p’ra nada

Com as franjas numa fôna
E cheiinhas de cotão
É conhecido na zona
P’lo xaile do cotão bom

Essa relíquia lá anda
P’los quatro cantos da casa
Cheira a môfo que tresanda
E põe-me os nervos em brasa

A ambição redentora
Que a minh’alma ambiciona
É mandar o xaile embora
Juntamente com a dona

Bom tremelique (humor)

Chama-se “Bom Tremelique”
O restaurante mais chique
Da minha cidade amada
Neste solar português
Uma dose dá p’ra três
Se dois... não comerem nada

Há rissóis de camarão
Há croquetes de vitela... servidos com aparato
Mão de vaca sem ter mão
Há arroz de cabidela.... feito com sangue de pato

Língua de boi sofredor
Coelhinho à sacador... e bife à moda da casa
Temos leitão da Bairrada
E temos uma pomada.... que nos põe de grão na asa

Ovos moles ou mexidos
Pescadinha da graúda.... com o rabo na boquinha
Temos carapaus cozidos
E temos uma miúda.... que faz coisas na cozinha

Excelente linguado
Com molho de berbigão... tudo feito com ternura
E como prato afamado
Temos o tal salpicão... com o bom grelo à mistura

Sobremesas variadas
Bananas e marmeladas... sempre servido a preceito
É tudo à moda do Porto
E se a coisa der pró torto... há solha a torto e a direito

Camuflagem

Aquele brilho dourado
Que veio em tarde fechada;
Lembrou-me a alma dum fado
Discreto e bem disfarçado
De paixão camuflada

Porque a luz acentuada
Que veio assim de repente
Era lei codificada
Mordaz, feroz, concentrada
Dada num tom reprimente

E assim, aquela surpresa
Surgiu num beve segundo
E com má subtileza
Mostrou que a vida está presa
Ao mal que anda no mundo

Pois no fundo, bem no fundo
Da consciência indefesa;
O amor, qual moribundo
É sempre menos facundo
Que o ventre da natureza

Dor e saudade irmãs do fado

A dor e a saudade, irmãs do fado
Produto da paixão que tem raízes
Juntinhas no compasso desejado
Fazem acontecer horas felizes

A dor tem o condão quase perfeito
De não reconhecer quem sofre mais
Nem sabe porque jeito e de que jeito
Supera os seus instintos naturais

A dor tem a saudade em parceria
Nos fados em que a voz quase não sai
As duas fazem sempre companhia
Aos fados em que a rima é sempre um ai

Felizes, porque mesmo doloridas
São sopros de magia acontecida
E sempre pode haver horas floridas
Quando a saudade é dor e a dor é vida

Prece poética

Cada vez faz mais sentido
Todo este tempo vivido
Dentro da alma do fado
Horas de amor intensivo
Mantendo vivo, bem vivo
Este sonho abençoado

Sonho que ao vir até mim
Fez-me viver num jardim
De palavras com memória
Cada rima era uma flor
Cada poema, um amor
Cada fado, uma vitória

Com o passar da idade
Foi aumentando a saudade
Como a todos acontece
Com o tempo decorrido
Cada vez faz mais sentido
Cantar em forma de prece

Meditação

Quando dei por mim a tentar encontrar uma forma de colorir os anseios da alma eis que a musa da poesia veio em meu auxílio e, sem que nada o fizesse prever, fez de mim um pequeno poeta em talento, mas um grande trovador em dedicação.

A esta autêntica dádiva com que a natureza me contemplou juntou-se o FADO, essa música mágica que ao longo dos tempos se confunde com o simples ato de respirar sonhos, sonhar amores e casar palavras.
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Fado é respirar poesia // Fado é sonhar ilusões
Fado é viver dia a dia // Em constantes mutações;

Fado é conhecer paixões // Fado é aceitar má sorte
Fado é descobrir razões // Na injustiça da morte;

Fado é encontrar o norte // Fado é ter o amor em alta
Fado é saber ser forte // Mesmo quando a força falta;

Fado é luz, fado é ribalta // Fado é cor bem conseguida
Fado é hino que se exalta // Quando quer brindar à vida;

Fado é pranto em despedida // Fado é o riso em regresso
Fado é saber que a partida // Nem sempre tem melhor preço;

Fado é feliz recomeço // Fado é também causa nobre
Fado é arte cujo preço // Está ao alcance do pobre;

Fado é manto que nos cobre // Fado é calor que se quer
Fado é bom que sempre sobre // Pois se falta, faz doer;

Fado é amor, é prazer // Fado é luz na escuridão
Fado é força de viver // Fado é alma, é coração

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E por todas estas e mais razões que são certamente comuns a quem conhece minimamente os mistérios da alma, sou grato ao FADO por permitir que os meus modestos versos bailem ao compasso das suas melodias harmónicamente geniais.

30.12.2022

Metades

Metade do que sou ninguém conhece
Metade do que faço, ninguém vê
E sempre que a saudade me entristece
Sou um fado que a voz tem à mercê

Por ser assim tão dado, sou mais forte
Por ser assim tão fraco, sou sensível
Procuro ter por perto a luz da sorte
Para que meu amor pareça incrível

Metade do amor que me pertence
Provém de tudo aquilo que mereço
Não há momento algum em que não pense
Que mesmo sendo eu... não me conheço

E fico p"la metade que me deram
No dia em que cheguei até aqui
Os versos do amor me concederam
As rimas dos poemas que escrevi

Soneto em conflito

Em constante conflito com um verso
Que me queima como fogo crepitante
Vagueia em mim o sentido mais disperso
Que mais parece uma espada penetrante

Penetra na minha alma a toda a hora
Ocupando o espaço que era livre
E duma forma eficaz, devoradora
Fica lá, tal como bala que se crive

Vai mordendo palavras que se agitam
Por dentro deste peito sempre aberto
Moldado para amar e p'ra sofrer

E todo este silêncio que me gritam
Será verbo dum tempo sempre certo
Tal como certo é o tempo de viver

Fado peregrino

O fado é o alimento
Que serve como sustento
À alma que em mim desperta
Encontro nele a razão
P’ra sentir o coração
Bater na cadência certa

No meu canto encontro a paz
Com que todas as manhãs
Acordo em graça divina
O fado é religião
Que vivo com devoção
Com devoção peregrina

Esta alma ao fado devo
E pelo fado recebo
O amor que me sufoca
Dentro daquilo que sou
Inteiramente me dou
Sem nada pedir em troca

Porto dum amor maior

Somente a minha noite me faz sentir poeta
O meu tempo banal renasce com o dia
Somente a minha noite a ideia me desperta
Na noite sou melhor poesia

Somente a minha noite inspiração contém
O tempo só me agrada se o dia chega ao fim
Somente a minha noite me faz sentir alguém
De noite gosto mais de mim

A noite não se vive à toa
A noite tem mais luz, mais cor
Tem versos de Pessoa
Com alma de Lisboa
No Porto dum amor maior;
A noite não se vive à toa
E sem amor, será pecado
A nossa alma voa
Quando o amor apregoa
Magias que só há no fado

Obrigado poeta-fadista

Depois de ler de ti, qualquer poema
Fiquei a perceber porque és assim
Dominas com mestria qualquer tema
E dás a qualquer verso o melhor fim

Consegues, com requinte dedicado
Dar luz ao coração, pô-lo contente
Assim nasce um momento feito fado
Perfeito... e de beleza permanente

Na alma tens o dom especial
No peito tens a chama talentosa
De quem, ao separar o bem do mal
Encara a vida em tons de cor de rosa

Poeta que te dás inteiro à vida
Poeta que te dás inteiro ao fado
Recebe da minh'alma agradecida
Este poema que diz “muito obrigado”

Lei motivadora

Posso não ser bom fadista
Posso até nem ser artista
Mas duma coisa estou certo
Quando me dou com empenho
É porque a alma que tenho
Sente a saudade por perto

Posso não ser o cantor
A quem chamam de *maior*
Mas uma coisa garanto
Tenho a enorme vontade
De espalhar felicidade
Todas as vezes que canto

Posso ser o que quiserem
E aceito o nome que derem
Ao fado que me me devora
Porque o fado que é meu
Uma lei motivadora

Casa do meu fado

Na casa do meu fado, há vitrais de saudade
Onde sempre vivi histórias coloridas
Na casa do meu fado a vida tem a idade
Dos fados que aprendi em noites bem vividas

Aprendi a sonhar ao som do aconchego
Que tivesse o sabor das marés do amor
Aprendi a rimar e agora só me entrego
Aos verbos onde a vida é sempre em tom maior

Partilhei o amor em doses de poesia
Com mensagens da cor dum sonho alimentado
O dia fez-se noite, a noite fez-se dia
O tempo foi melhor na casa do meu fado

O nosso vento

Fado da solidão* de Frederico Valério

O vento que fala de nós
Não fala em paixão... meu bem
O vento quando solta a voz
Solta a solidão... também
O vento traz no lamento, um sonho triste
Pois na voz do sentimento
Tormento é tudo que existe

O vento traz a ilusão
Dum beijo trocado... outrora
Soprando a recordação
Transformada em fado... agora

O vento embora ferido, não mostra a ferida
Nem se mostra arrependido
De soprar na nossa vida
Ó vento, vê lá se consegues calar os teus ais
Mas, porém, nunca me negues
Os sopros habituais

Fado de amor maior

O luar do nosso amor
Brilha mais, brilha melhor
Sempre que a alma tem voz
É sempre à luz do teu fado
Que sinto recompensado
O fogo que vive em nós

Quando a noite chega fria
À cama, aonde a magia
Acontece inteiramente
O amor ocupa o lugar
Que a paixão nos provocar
Serena e secretamente

E sempre no mesmo acoite
Vamos aquecendo a noite
Que vive no nosso abraço
Este destino maior
Tem cada vez mais amor
Marcado num só compasso

Pontão da vida

Ali no pontão acontece vida
Há saltos para o mar, porque o mar é puro
Ali no pontão da praia querida
Há saltos em frente para o bom futuro

Há sorrisos-luz d'infância marcada
Sorrisos com tanto para nos contar
Mergulhos-bravura de fé consumada
Em histórias lindas que são de encantar

Mergulhos em busca duma melhor vida
Naquele pontão onde o pouco é tanto
Há peixe pescado p'la mão decidida
Na hora em que a pesca tem maior encanto

Há vida a chegar do fundo do mar
No peixe que traz sustento e prazer
Nesta doce esperança de muito pescar
Há praias de vida sempre a acontecer
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Poema escrito a partir deste texto de Marta Castro:
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No pontão, acontece vida.
Há saltos para o mar. 
Há saltos para o futuro. 
Há sorrisos de infância. 
Há sorrisos com tanto para contar. 
Há mergulhos em histórias. 
Há mergulhos numa vida melhor.
No pontão, há pouco mas acontece tanto.
Há vida a chegar do mar. 
Há peixe acabado de pescar. 
Há esperança a renascer.
É a vida a acontecer

Alma bem lavada

Canto d'alma bem lavada
Ao compasso da vontade
Renascida em cada fado
Nesta saudade marcada
Vejo com claridade
O meu sonho consumado

Canto por saber que tenho
Direitos que me são dados
Pelo que sou sendo assim
É tão grande o meu empenho
Que até parece que os fados
Foram feitos para mim

Canto sempre que desperta
Em mim, a necessidade
De buscar um cais de abrigo
Só não sei a hora certa
De convidar a saudade
A vir ao fado comigo

Inacabado

Em nome do amor que ambos sentimos
Ainda há tanta coisa por fazer
Há também tanta coisa por dizer
Em nome da paixão que reprimimos

Talvez sintas o peso das palavras
Na alma aonde guardas um segredo
Talvez por preconceito ou simples medo
Não dês nome ao sufôco a que te davas

Talvez tenhas fechado o coração
P'ra não entrar em ti o sol perfeito
P'la porta preciosa do teu peito
Que mais parece feita de betão

Em nome dum amor inacabado
Que a vida não quer dar por concluído
Talvez não faça já algum sentido
Andarmos a sofrer p'lo mesmo fado

Fogo estranho

O fogo em que se matam as ilusões do tempo
Extingue-se na dor aonde o fado mora
As ilusões retratam a luz do fingimento
E é sempre é por amor que a nossa alma chora

A lágrima vertida em franca solidão
Resulta muita vez dum amor sem tamanho
Sem peso, sem medida e sem motivação
A lágrima fingida é um sentimento estranho

Chorar pode ser fogo ou até tempestade
Chorar pode até ser um disfarce perfeito
Esta vida é um jogo em que cedo ou tarde
O amor irá perder a direcção do peito

Vagas de espuma

Uma após mais uma // Quase de seguida 
Há vagas de espuma // Neste mar da vida

Espuma cobrindo // A praia perfeita
Que vai colorindo // O sol que se deita

A praia vai tendo // Outra escuridão
E vai conhecendo // Nova solidão

O relógio avança // Na cadência certa
E o tempo descansa // Na praia deserta

Ao longe uma aurora // Corta a madrugada
E vem praia fora // Trazendo a alvorada

A vida desperta // Do sono pesado
E o mar se liberta // Do sonho ancorado

Voltou a rotina // Muito mais feliz
Voltou genuina // Porque o tempo quis

Só o tempo tem // Poder natural
P'ra castigar bem // Quem lhe fizer mal

Poema-louvor

Áqueles que um dia // Em nome da vida
Fizeram do mar // O seu ganha-pão
Áqueles que um dia // Com fé renascida
Ergueram o altar // Da grande união

Áqueles que um dia // Movidos plo medo
Fecharam janelas // Que a maldade abrira
Ãqueles que um dia // Pla lei do degredo
Guardaram estrelas // Que a noite banira

Áqueles que o vento // Sussurou poemas
Escritos no escuro // Da noite de breu
Áqeles que o tempo // Colocou algemas
Negando o futuro // Que o sonho escolheu

Áqueles que foram // Mandados embora
Deste sua terra // Que muito lhes deve
Áqueles que choram // A maldita hora
Em que a voz da guerra // Nunca se conteve

Áqueles que exibem // Na pele que os cobre
A marca da cruz // Da lei desigual
Áqueles que vivem // Do jeito mais nobre
Adorando a luz // Quando é natural

Poema louvor // Áqueles que são
O orgulho maior // D’el-rei coração.

Deambulações à toa

Antes de Outubro é Setembro
Antes de Maio é Abril
O Natal é em Dezembro
Hotel de cão é canil;
A chuva torrencial
Não é chuva, é vendaval

Açucar é coisa doce
Porta da rua é entrada
Morte é lei... melhor não fosse
E tem a hora marcada;
Depois do morto morrido
Tudo passa a ter sentido

Pão com manteiga é almoço
Gentileza não faz mossa
Azeitona tem caroço
Peixe não puxa carroça;
Tia velha solteirona
Passa o tempo na poltrona

Com maior ou menor charme
Beijo é sinal de magia
Casa rica com alarme
É sinal de mordomia;
Leitão é porco pequeno
Veneno é sempre veneno

Casa de campo é um luxo
Casa de praia também
Um repuxo e um capucho
São coisas que ninguém tem;
O dinheiro não é tudo
Nasce mudo, morre mudo

Mesmo sem saber dançar
Dança tango, dança valsa
Faz tudo p'ra disfarçar
Mas não sabe dançar salsa;
E p'ra maior desespero
Não sabe dançar bolero

Canta fado sem saber
Que tem muito que aprender
Fala mal nas tuas costas
Por não gostar do que gostas;
Enfim... a vida que temos
Vale só p'lo que valemos

Alvorada sublime

No livro do teu olhar
Há versos por decifrar
Sempre que o peito enternece
Transportas contigo a arte
Da alma que se reparte
Sempre que o fado acontece

Tens brilho de flor celeste
Aromas de flor agreste
Tens perfil de sol doirado
Também tens luar de povo
Num brilho, que sendo novo
Anda ligado ao meu fado

Quando te vejo sorrir
Quase que vejo surgir
A madrugada encantada
Tens o poder natural
De tornar angelical
O sol da minha alvorada

Mãe guerreira

Era uma vez uma mãe que só adormecia 
depois de ver o filho aconchegado

Era uma vez uma mãe que só comia 
depois do filho estar saciado

Era uma vez uma mãe que sofria 
quando via o filho incomodado

Era uma vez uma mãe que chorava 
quando sentia o filho amargurado

Essa mãe envelheceu
E o seu filho cresceu;
Essa mãe adoeceu
E o filho nem percebeu;
Quando essa mãe faleceu
O filho nem um ai deu

Dizia ele, a quem o queria ouvir
Que cedo ou tarde todos temos de partir
Dizia até, que graças ao Senhor
A sua mãe agora estava bem melhor;
Tanta frieza, tanta falta de respeito
Por quem lhe deu o pão, o colo e o leito

As mães que se dão inteiras
Aos filhos que então criaram
São as eternas guerreiras
De guerras que não travaram

Intemporalidade

Por cada voz que se acenda
E por inteiro se prenda
Às rimas que o fado tem
Haverá sempre um momento
Em que a alma, lá por dentro
Terá saudades de alguém

Porque a alma, quando quer
Sabe expulsar ou conter
Emoções intemporais
Que quando vindas do fado
Podem ser dôr e pecado
Ou podem ser muito mais

Podem ser mensagens nuas
Que vagueiam pelas ruas
Onde a saudade tem leito
Podem também ser perfume
Dum amor de fogo e lume
A latejar- nos no peito

Vendavais do meu fado

Para a música do Fado Marialva de Jaime Mendes
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Vendavais de solidão
Em forma de coração
Sem tempo nem hora certa;
Varrem as praias do peito
Em que eu, gavião perfeito
Vou voando d'alma aberta;
Ventos de norte, sopram forte a qualquer preço
O céu que tenho e do tamanho que mereço

Eu sou da cor que tem o amor
Mesmo que a dor tenha mais força do que eu
O fado é luz que me conduz
E a minha cruz já percebeu que o fado é meu

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Vendavais de sentimento
Misturados com o tempo
Em que nunca estamos sós;
Mensagem que se reparte
Com o rigor e a arte
Que baila na minha voz;
Canto poemas, sem algemas, sem fronteiras
Voz dum destino, genuíno e sem barreiras

Estações de magia

Pairava no ar um cheiro a desejo
Vindo duma estrela sozinha, carente
Soltou-se da boca o sabor dum beijo
Que soube prendê-la de maneira ardente

As outras estrelas, talvez por ciúme
Roubaram a luz desse bom momento
E assim, no ar, vai pairando o lume
Que apenas traduz dor e afastamento

Agora a estrela vagueia perdida
Pelo universo do amor que se foi
Sinto pena ao vê-la tão desiludida
Mostrando que a dor ainda lhe dói

Mas talvez um dia (porque há sempre um dia)
O amor renasça para ser eterno
Na luz da paixão há sempre magia
Primavera, Verão, Outono ou Inverno

Rasto

Passou por mim
Quase disfarçadamente
E tão sorrateiramente
Que quase nem percebi
Passou por mim
Mas seu perfume ficou
E foi ele que marcou
A minha paixão por si

Perfume forte
Intenso como convém
Um perfume que a ninguém
Passava despercebido
Talvez por sorte
Fui eu que me aproximei
P’ra ficar, como fiquei
Deveras entontecido

Segui o rasto
Do perfume inebriante
Mas percebi num instante
Que de nada valeria
Esse perfume
Era apenas a saudade
A dizer que a felicidade
Vai aparecer qualquer dia

Certezas do meio da vida

Sou uma alma descrente
Sou um verso sem magia
Sou um peso sem medida
Mas confesso humildemente
Que não sendo o que queria
Sinto-me bem com a vida

Cheguei aonde cheguei
Sem conseguir derrubar
Barreiras que a vida tem
Do pouco que conquistei
Lá consegui conquistar
Males que me fazem bem

Talvez o meu tempo entenda
De que forma cá cheguei
E que passos foram dados
Muito embora eu compreenda
Que o tempo que demorei
Foi sempre tempo de fados